segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Dos Olhos do Não

Daniel F. Gerhartz

Se lhes derem Kennedy ou Kruschev ou De Gaulle
não acreditem nesta única realidade
neste implacável colar de conchas de ar

se lhes derem os códigos os gestos as modas
não acreditem nesta enlatada realidade
nesta implacável aranha de invisíveis fios

se lhes derem a esperança o progresso a palavra
não acreditem na imposta realidade
na implacável engrenagem das hélices de vácuo

aprendam a olhar atrás do espelho
onde a história jamais penetra
a profunda história do não registrado
aprendam a procurar debaixo da pedra
a história do sangue evaporado
a história do anônimo desastre
aprendam a perguntar
por quem construiu a cidade
por quem cunhou o dinheiro
por quem mastigou a pólvora do canhão
para que as sílabas das leis fossem cuspidas
sobre as cabeças desses condenados ao silêncio.

Afonso Henriques Neto

sábado, 29 de agosto de 2015

Jesus

Novas evidências reforçam a teoria
de que Jesus era casado.
“Evangelho da Esposa de Jesus”, como o papiro foi nomeado, traz também uma referência a uma discípula chamada Maria.
Novos testes em um controverso fragmento de papiro reforçam as evidências de que Jesus tinha uma esposa. O “Evangelho da Esposa de Jesus”, como foi nomeado, é um excerto, não maior do que um cartão de crédito, contendo um texto cóptico que traria referências de Jesus dizendo as palavras “minha esposa” e também se referindo a uma discípula chamada “Maria”. As informações são do The Independent.
Papiro divulgado em 2012 causou controvérsias por reforçar que Jesus teria sido casado

Estudos feitos no ano passado estipularam que o documento foi originado entre os séculos VI e IX Depois de Cristo (D.C.). Mas Christian Askeland, pesquisador associado do Instituto de Pesquisa Bíblica e Septuaginta de Wuppertal, na Alemanha, acredita que as similaridades entre o evangelho e o papiro contendo o Evangelho de João indicam que ambos são falsos.
Segundo o professor, a datação feita por radiocarbono mostrou que o Evangelho de João foi escrito há 1200 anos e em uma língua extinta há 300, portanto, o documento era falso. De acordo com ele, a chance do Evangelho da Esposa de Jesus ter sido escrito pelo mesmo autor é grande, o que comprovaria que ambos são forjados.
Porém, pesquisadores da Universidade de Columbia estão fazendo novos testes e dizem que os primeiros resultados descartam a teoria de Askeland.
James Yardley, que está trabalhando nas pesquisas, disse à publicação LiveScience que “em nossos primeiros testes, já podemos dizer que as tintas usadas nos dois papiros (no Evangelho da Esposa de Jesus e no Evangelho de João) são bem diferentes. Os resultados recentes confirmam fortemente essa observação”. Yardley afirmou que não daria mais detalhes até que o estudo fosse divulgado.
Apesar das evidências levarem a crer que o evangelho encontrado seja verdadeiro, ainda não há uma resposta de como isso afetaria o cristianismo.
A professora Karen King, especialista da área de teologia de Harvard, que anunciou a descoberta do texto em 2012, disse que enquanto o documento não prova concretamente que Jesus tinha uma esposa, ele pode iniciar um debate sobre os primeiros cristãos e se o “modo ideal” de viver é o celibatário.
Ela também já havia afirmado no ano passado que o “principal tópico” do papiro é se mulheres que eram mães e esposas também podiam ser discípulas. “Esse fragmento do Evangelho nos dá um motivo para reconsiderar o que pensávamos saber sobre o status conjugal de Jesus e as controvérsias que isso gerou na forma que os cristãos encaram o casamento, celibato e família”, afirmou a pesquisadora em 2012, época da descoberta.

Fonte:
( Site Terra )

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

E era o ano de 79

Alfred Elmore - Pompeia
Era o dia do deus romano do fogo
Plínio, o Velho, navegava comandando uma frota romana.
Ao entrar na baía de Nápoles, viu que uma fumaça negra vinha crescendo do vulcão Vesúvio, uma árvore alta que abria sua ramagem na direção do céu, e de repente caiu a noite em pleno dia, o mundo tremeu em violentas sacudidelas e um bombardeio de pedras de fogo sepultou a festeira cidade de Pompeia.
Karl Brullov - A Última Noite de Pompeia
Pouco antes, o fogo havia arrasado a cidade de Lugdunum, e Sêneca havia escrito:
Houve apenas uma noite entre a maior cidade e cidade alguma.
Lugdunum ressuscitou, e agora se chama Lyon. E Pompeia não desapareceu: intacta debaixo das cinzas foi guardada pelo vulcão que a matou.
Eduardo Galeano (1940-2015)
em "Os Filhos dos Dias".

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Hypátia de Alexandria: Uma mulher além de seu tempo

Ao pensar sobre a necessidade de falar sobre o início da expansão feminina na sociedade, desde a antiguidade, onde apenas o homem tinha o direito de trabalhar e exercer cargos públicos, me senti obrigada a abordar a história de Hypátia.
Alfred Seifert - Hypatia

Hypatia (360-415), filósofa e matemática, nascida em Alexandria, Egito. Foi a primeira mulher documentada como tendo sido matemática. Como chefe da escola platônica em Alexandria, também lecionou filosofia e astronomia.
Na cidade de Alexandria no Egito, por volta do ano 360 D.C nasce uma mulher além de seu tempo: Hypátia de Alexandria. Filha do diretor do Museu de Alexandria, o filósofo, matemático e astrônomo Theón. Desde pequena, foi educada por princípios matemáticos e filosóficos no desejo de torná-la um ser perfeito. Acreditava-se no ideal grego de que mente e corpo deveria estar em perfeita harmonia de acordo com o ditado “mente sã em um corpo sadio” (“men sana in corpore sano”).
A cidade de Alexandria fundada por Alexandre da Macedônia, mais conhecido como Alexandre, O Grande, vivia uma época de grande ascensão cultural e ao mesmo tempo, vivia em conflito com o crescimento do poderio da Igreja Católica de um lado e as correntes filosóficas em contrapartida, que criticavam os preceitos da Igreja.
Nos seus relatos, Sócrates a descreveu como uma mulher que realizou grandes feitos na literatura e na ciência como nenhum outro filósofo antes na época. Transmitia seus conhecimentos filosóficos para quem quisesse ouvir e muitos vinham de longe só para ouvi-la. Destacou-se na escola de Platão de Plotino ao demonstrar desde cedo sua profunda sabedoria e para aprimorar ainda mais os seus conhecimentos, viajou para Atenas ainda jovem, tornando-se discípula na Escola de Plutarco, onde explanava os seus ensinamentos Neoplatônicos. Quando retornou a sua cidade natal, foi condecorada com a cadeira de professora na Academia de Alexandria pela qual se torna diretora aos 30 anos.
Uma mulher de conhecimento vasto que abrangia desde a Filosofia, passando pela Matemática, Astronomia, Religião, poesia e artes. Escreveu diversos livros relacionados a tratados de álgebra e aritmética, mecânica e tecnologia. Mas infelizmente, suas obras foram perdidas durante um incêndio na biblioteca de Alexandria, e o acesso aos seus escritos restringiu-se apenas, por suas correspondências.
Relatos de alunos como Hesíquio, o hebreu, a descreviam como uma mulher que fazia questão de transmitir seus conhecimentos andando pela cidade com um manto que é comumente utilizado pelos filósofos. Explicava para o povo, escritos de Platão, Aristóteles e qualquer outro filósofo que alguém a questionasse. Até os responsáveis pela administração da cidade a consultavam antes de tomar alguma decisão importante.
Hypátia lutava pelo pensamento livre numa época em que o Cristianismo tornava-se cada vez mais forte sobre o Paganismo em Alexandria, e as pessoas que tivessem pensamentos opostos, eram considerados hereges e perseguidos. Sua vida ainda estava a salvo no período em que seu ex-aluno Orestes, foi prefeito. Mas quando Cirilo se tornou o novo bispo da cidade, o movimento pagão foi reprimido violentamente e Hypátia, condenada a morte.
Quando voltava para casa em sua carruagem, numa tarde de 415 D.C, foi retirada a força por uma multidão de cristãos furiosos que a arrastaram para a Igreja. Chegando lá, foi brutalmente despida e esquartejada a sangue frio com cascas de ostras, que lhe feriam a carne e desmembravam os membros do seu corpo a cada novo golpe, sendo depois jogado ao fogo, sem dó nem piedade.
Ilustração de Hypátia sendo retirada de sua carruagem

Com requintes de crueldade, morre uma mulher que se destacou como nenhuma outra de sua época, por pregar a liberdade cultural e filosófica do pensamento, que estava no seu início, mas que logo foi brutalmente interrompida por uma doutrina religiosa. Hypátia morreu levando consigo toda a sabedoria de uma mulher que queria promover a liberdade de expressão para o seu povo, para sua cidade Alexandria. Um exemplo a nos mostrar que jamais devemos deixar de acreditar e lutar pelos nossos ideais.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Catalina de Siena

Catalina de Siena (1347-1380)
Giovanni di Paolo - Santa Catarina trocando seu coração com Cristo

Foi uma leiga da Ordem Terceira de São Domingos, venerada como Santa Catarina na Igreja Católica.
Catarina de Siena, jovem mulher analfabeta que se tornou confidente, e até conselheira, dos papas. Sua fervorosa fé impressionava mais do que seu nível de instrução. Ditou uma obra monumental que lhe valeu ser proclamada Doutora da Igreja por Paulo VI em 1970.
Existia em Siena uma terceira ordem dominicana, um tipo de fraternidade laica de damas pias que portavam um manto negro sobre suas vestes brancas. Catarina solicita admissão, que lhe é negada. Consideram-na muito jovem e sobretudo muito exaltada. Em 1363, após muitas peripécias, é enfim recebida e veste o hábito. Vive reclusa num pobre quarto de família, que só deixa para assistir aos ofícios da igreja de São Domingos.
Eis que tem uma nova crise de êxtase. Enquanto o Carnaval corria pelas ruas de Siena, recebe em seu quarto uma suntuosa visão. Cristo cercado por Maria e um cortejo nupcial de santos e de músicas a toma por esposa e lhe passa um anel ao dedo. Pouco tempo depois, uma outra aparição lhe pede para assumir uma existência de caridade e apostolado.
Rapidamente, Catarina junta um pessoal, sua "Bela Brigada", que passa a ser conhecida pela piedade e devoção de seus membros. Ela mesma não teme sequer as pestes que assolam a região. Passa a dar conselhos espirituais e sua reputação alcança a ‘entourage’ do papa e do próprio papa Gregório XI. Os próprios dominicanos ficam intrigados com seu modo de vida e pela veneração que suscita. Convocam-na a um capítulo reunido em Florença, ouvem-na e decidem dar-lhe um orientador espiritual, Raimundo de Cápua que a acompanharia até o fim da vida.
Gregório XI desejava restabelecer em Roma a sede pontifical a fim de reforçar a unidade da Igreja. Esta intenção encontra oposição dos príncipes italianos que não manifestaram descontentamento quando autoridades espirituais, sempre prontas a intervir nos negócios temporais, estavam distantes. Para Catarina, porém, dois grandes projetos a animavam : a Cruzada para reconquistar Jerusalém e a reforma da Igreja com o retorno do papa a Roma.
Encontro com Gregório XI
Em maio de 1376, parte com sua brigada para Avignon. Deseja convencer o papa a voltar à Cidade Eterna, negociando a adesão dos florentinos a essa iniciativa. Gregório XI a recebe talvez por simples curiosidade, alertado sobre seus dons de vidência. Em 13 de setembro de 1376, Gregório XI deixa Avignon e empreende por terra e mar uma viagem à embocadura do rio Tibre. Em 17 de janeiro de 1377, o povo romano, encabeçado por Catarina, acolhe seu bispo triunfalmente.
A alegria teria curta duração. A reinstalação romana logo abre uma das mais graves crises de sua longa história : o Grande Cisma do Ocidente. Com a morte do francês Gregório XI, o povo de Roma exige a eleição de um papa italiano. É escolhido o papa Urbano VI em 7 de abril de 1378. Ao cabo de algumas semanas, os cardeais franceses declaram nula a eleição de Urbano. Com apoio do rei da França, Charles V, escolhem como substituto um cardeal francês que adota o nome de Clemente VII e se reinstala em Avignon. O cisma iria durar 40 anos.
Catarina dedica todas as suas forças para tentar convencer os soberanos europeus da legitimidade de Urbano VI. Instalada em Roma, entre o outono de 1377 e o começo de outono de 1378, dita a sua obra-prima, o Diálogo ou Livro da Doutrina Divina onde reuniu suas intuições místicas e sua experiência espiritual.
Ela falece em 28 de abril de 1380, no domingo anterior à Ascensão. Tivera tempo ainda de se comunicar com Raimundo de Cápua, confiando-lhe o cuidado de conservar o essencial de sua mensagem espiritual, o que abriu o caminho para a canonização de Santa Catarina de Siena pelo papa Pio II em 1461. Declarada padroeira da Itália por Pio XII em 1939, e da Europa por João Paulo II em 1999, ela é igualmente a padroeira de todos os ofícios da comunicação em razão de sua obra epistolar a serviço do papado.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Cantiga da Lavadeira

Homero Massena
Libertos da trouxa tremem
as calças e os paletós.
Doem na pedra pano e carne
sem anotações no rol.

Canto azul da lavadeira
lavado na ventania.
Mistura de corpos gastos,
de sabão, espuma e anil.

O suor da blusa operária
(chora o lenço de Maria)
Transita o amor pela anágua.
geme o lençol de agonia.

O sonho dorme na fronha,
a camisa precordial,
nódoas da fome da criança
na toalha da mesa oval.

Nas águas têxteis do rio,
há sabor de sangue e sal.

Mauro Mota (1911-1984)

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

O Terrorista, Ele observa

Jean Paul Laurens
A bomba explodirá no bar às treze e vinte.
Agora são apenas treze e dezesseis.
Alguns terão ainda tempo para entrar;
alguns, para sair.
O terrorista já está do outro lado da rua.
A distância o protege de qualquer perigo.
E, bom, é como assistir a um filme.
Uma mulher de casaco amarelo, ela entra.
Um homem de óculos escuros, ele sai.
Jovens de jeans, eles conversam
Treze e dezessete e quatro segundos.
Aquele mais baixo, ele se salvou, sai de lambreta.
E aquele mais alto, ele entra.
Treze e dezessete e quarenta segundos.
A moça ali, ela tem uma fita verde no cabelo.
Mas o ônibus a encobre de repente.
Treze e dezoito.
A moça sumiu.
Era tola o bastante para entrar, ou não?
Saberemos quando retirarem os corpos. Treze e dezenove.
Ninguém mais parece entrar.
Um careca obeso, no entanto, está saindo.
Procura algo nos bolsos e
às treze e dezenove e cinquenta segundos
ele volta para pegar suas malditas luvas. São treze e vinte.
O tempo, como se arrasta
É agora.
Ainda não.
Sim, agora.
A bomba, ela explode.

Wislawa Szymborska (1923-2012)
Tradução: Nelson Ascher

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Poesia Capitalista

Andrea Kowch
“A casa não é destinada a morar, o tecido não é disposto a vestir,
O pão ainda é destinado a alimentar: ele tem de dar lucro.
Mas se a produção apenas é consumida, e não é também vendida
Porque o salário dos produtores é muito baixo – quando é aumentado
Já não vale mais a pena mandar produzir a mercadoria –, por que
Alugar mãos? Elas têm de fazer coisas maiores no banco da fábrica
Do que alimentar seu dono e os seus, se é que se quer que haja
Lucro! Apenas: para onde com a mercadoria? A boa lógica diz:
Lã e trigo, café e frutas e peixes e porcos, tudo junto
É sacrificado ao fogo, a fim de aguentar o deus do lucro!
Montanhas de maquinaria, ferramentas de exércitos em trabalho,
Estaleiros, altos-fornos, lanifícios
¹, minas e moinhos:
Tudo quebrado e, para amolecer o deus do lucro, sacrificado!
De fato, seu deus do lucro está tomado pela cegueira.
As vítimas...
Ele não vê.
[…] As leis da economia se revelam
Como a lei da gravidade, quando a casa cai em estrondos
Sobre as nossas cabeças. Em pânico, a burguesia atormentada
Despedaça os próprios bens e desvaira com seus restos
Pelo mundo afora em busca de novos e maiores mercados.
(E pensando evitar a peste alguém apenas a carrega consigo, empestando
Também os recantos onde se refugia!) Em novas e maiores crises
A burguesia volta atônita a si. Mas os miseráveis, exércitos gigantes,
Que ela, planejadamente, mas sem planos, arrasta consigo,
Atirando-os a saunas e depois de volta a estradas geladas,
Começam a entender que o mundo burguês tem seus dias contados
Por se mostrar pequeno demais para comportar
a riqueza que ele próprio criou.”

(BRECHT, Bertolt. O manifesto. Crítica marxista,
São Paulo, n. 16, p.116, mar. 2003.)

Os versos anteriores fazem parte de um poema inacabado de Brecht (1898-1956) numa tentativa de versificar O manifesto do partido comunista de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). De acordo com o poema e com os conhecimentos da teoria de Marx sobre o capitalismo, é correto afirmar que, na sociedade burguesa, as crises econômicas e políticas, a concentração da renda, a pobreza e a fome são: inerentes a esse modo de produção e a essa formação social.

¹ = tecido de lã

domingo, 16 de agosto de 2015

São Roque

M. Heymans - Saint Roch

São Roque (1295-1327). O Dia de São Roque é comemorado anualmente em 16 de Agosto. É homenageando o considerado padroeiro dos inválidos e cirurgiões, além de ser o protetor contra a peste e demais epidemias.
Nascido em uma família rica e nobre, São Roque viveu no século XIII, na cidade francesa de Montpellier. Quando ficou órfão, teria distribuído toda a sua herança entre os podres e vivido como um peregrino andarilho.
São Roque viveu durante o terrível período da peste negra, na Europa, que teria devastado metade da população da época.
Depois de visitar Roma (período que alguns biógrafos situam de 1368 a 1371), onde rezava diariamente sobre o túmulo de São Pedro e onde também curou vítimas da peste, na viagem de volta para Montpellier, ao chegar a Piacenza, foi ele próprio contagiado pela doença, o que o impediu de prosseguir a sua obra de assistência. Para não contagiar alguém, isolou-se na floresta próxima daquela cidade, onde, diz a lenda, teria morrido de fome se um cão não lhe trouxesse diariamente um pão e se da terra não tivesse nascido uma fonte de água com a qual matava a sede. O cão pertenceria a um rico homem, de nome Gottardo Palastrelli, que apercebendo-se miraculosamente da presença de Roque, o terá ajudado, sendo por ele convertido a emendar a sua má vida.
São Roque curou-se e tornou-se andarilho dedicando-se a curar e cuidar dos inúmeros doentes, passando pelas aldeias e levando a palavra de Deus para os enfermos.
São Roque morreu em 16 de Agosto de 1327, na prisão por ter sido confundido como espião. De acordo com a lenda, o carcereiro, que era manco de nascença, quando tocou no pé de São Roque para confirmar a sua morte, teria se curado imediatamente e começado a andar normalmente.

O interessante é que minha mãe para me castigar quando eu era adolescente não me dava comida. Aí uma irmã mais nova me trazia comida escondido e a minha mãe a chamava de "cachorrinho" de São Roque.
Minha mãe era super-religiosa. Por isso detesto religião, porque a religião não faz ninguém melhor
.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A Poesia

John Atkinson Grimshaw
A poesia se escreve no silêncio de um quarto vazio
- um parque vazio de estrelas espelhos e sombras,
gruta de beijos-cascatas e sabiás brejeiros que por
ali não passam, mas despejam seu aroma, seu sabor
em algum canto do Universo – e um bilhete na mão.

A poesia se inscreve num olhar de mulher nesse quarto,
a mesma noite de frio – ou no calor de um verão invencível
em que o poeta não se derreta jamais em si mesmo…

A poesia eu não escrevo, eu muito,
o manto desta verdade arde em meus olhos vivos,
tuas lágrimas sem conta, o luar mais triste sobre a canção
feita pra ti, por mim, por todos nós que somos um – e teu,
pra sempre teu.

Pedro Lage

domingo, 9 de agosto de 2015

Um Sonho

Van Gohg - The siesta
Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...
O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crótalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...

Flor! enquanto na messe estremece a quermesse
E o sol, o celestial girassol, esmorece,
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...

Soam vesperais as Vêsperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Como aqui se está bem! Além freme a quermesse...
– Não sentes um gemer dolente que esmorece?
São os amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...

Esmaece na messe o rumor da quermesse...
– Não ouves este ai que esmaece e esmorece?
É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos,
E chora a sua morta, absorto, a flor dos fenos...

Soam vesperais as Vêsperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...

Penumbra de veludo. Esmorece a quermesse...
Sob o meu braço lasso o meu Lírio esmorece...
Beijo-lhe os boreais belos lábios amenos,
Beijo que freme e foge à flor dos flóreos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros... Cornamusas e crótalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...

Teus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse
O rumor amolece, esmaece, esmorece...
Dá-me que eu beije os teus morenos e amenos
Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos...

Soam vesperais as Vêsperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...

Ah! não resistas mais a meus ais! Da quermesse
O atroador clangor, o rumor esmorece...
Rolemos, ó morena! em contatos amenos!
– Vibram três tiros à florida flor dos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crótalos,
Citolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...

Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...

Eugénio de Castro (1869-1944)

sábado, 8 de agosto de 2015

Os 10 homens mais ricos da História

1. Mansa Musa
A riqueza do imperador do Mali, que viveu de 1280 a 1337, era tão grande que não pode ser quantificada. Mas, o africano controlava a área de maior produção de ouro do mundo na época. De acordo com o professor Rudolph Ware, ouvido pela revista "Time", as pessoas sequer conseguiam descrever seus bens, o que gerou uma série de lenda.
2. Augusto César
Além de fundar o Império Romano, que chegou a corresponder entre 25% e 30% do PIB mundial, Augusto (63 a.C. a 14 d.C.) detinha o equivalente a um quinto das riquezas de Roma. Essa fortuna, nos dias de hoje, seria de US$ 4,6 trilhões, de acordo com o professor Ian Morris, da Universidade de Stanford.
3. Imperador Shenzong
A China da dinastia Song também respondeu por até 30% das riquezas do mundo em seu auge, durante o governo de Shenzong (1048 - 1085). Segundo o pesquisador Ronald A. Edwards, o Império do Oriente era extremamente centralizado, com sistemas de recolhimento de impostos, além de ter tecnologias mas evoluídas do que a Europa.
4. Akbar I
Akbar (1542-1605), da dinastia Mughal, comandou a Índia num tempo em que seu império correspondia a um quarto das riquezas globais, segundo a "Time". Uma pesquisa do economista Branko Milanovic revela que a família real Mughal foi uma das mas eficientes em extrair dinheiro da população.
5. Joseph Stálin
Joseph Stálin (1878 - 1953) podia não ter o patrimônio pessoal tão extenso, mas tinha controle total sobre a economia da União Soviética, cujo PIB seria equivalente a US$ 7,5 trilhões hoje, ou 9,5% das riquezas mundiais em 1950. "Ele controlava 1/6 da superfície do planeta sem qualquer verificação", diz o historiador George O. Liber.
6. Andrew Carnegie
Andrew Carnegie (1835-1919) pode ter sido o americano mais rico da história. Em 1901, ele vendeu sua empresa, a U.S. Steel, para o banco J.P. Morgan por US$ 480 milhões, o que representava 2,1% do PIB dos EUA. Hoje, esse valor corresponderia a US$ 372 bilhões, de acordo com a revista "Time".
7. John D. Rockefeller
Magnata do petróleo, John Davidson Rockefeller (1839 - 1937) chegou a controlar 90% da produção nos EUA, em 1880, com a Standard Oil. Em 1918, sua fortuna era avaliada em US$ 1,5 bilhão, ou 2% do PIB americano. Segundo cálculos da "Time", a mesma proporção equivaleria atualmente a US$ 341 bilhões.
8. Alan Rufus (Alan, o Vermelho)
Sobrinho do rei inglês William, o Conquistador, Alan Rufus (1040 - 1093) participou da conquista da Normandia. De acordo com os autores Philip Beresford e Bill Rubinstein, ele morreu com um patrimônio de £11 mil, ou 7% do PIB da Inglaterra na época, o que equivaleria a US$ 194 bilhões hoje.
9. Bill Gates
Único ainda vivo da lista, Bill Gates (1955) é o homem mais rico do mundo, segundo a revista "Forbes". A riqueza do fundador da Microsoft é avaliada em US$ 78,9 bilhões, US$ 8 bilhões acima do segundo colocado, o co-fundador da Zara, Amancio Ortega.
10. Gengis Khan
O imperador mongol Gengis Khan (1162 - 1227) foi o soberano de terras que iam da China à Europa, o maior império contíguo da História. No entanto, o líder nunca acumulou suas riquezas: ele distribuía as conquistas com os militares e suas famílias. Ele nunca construiu palácios, templos nem tumbas, e morreu assim como nasceu: em uma cabana.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Execução nas Favelas do Rio

Foto da Redação –Revista Fórum
Um estudo da ONG Anistia Internacional denuncia que em nove de dez casos de homicídios decorrentes de intervenção policial registrados em 2014 na favela de Acari, no Rio de Janeiro, há indícios de ter havido execução das vítimas, em vez de troca de tiros.
Um estudo da ONG Anistia Internacional denuncia que em nove de dez casos de homicídios registrados em 2014 na favela de Acari, no Rio de Janeiro, decorrentes de intervenção policial, há indícios de execução das vítimas. As informações estão contidas no relatório “Você matou meu filho! – Homicídios cometidos pela Polícia Militar no Rio de Janeiro”.
Segundo a ONG, em quatro casos, as pessoas já estavam feridas ou rendidas quando policiais usaram armas de fogo intencionalmente para executá-las. Em outros quatro casos, elas foram baleadas e assassinadas sem nenhum aviso e, em um deles, a vítima estava fugindo da polícia quando foi alvejada e morta.
A pesquisa servirá como base para uma petição internacional endereçada ao governo do Estado e ao Ministério Público do Rio de Janeiro, reivindicando medidas que garantam justiça a situações como essa. O levantamento foi realizado a partir de fontes de dados oficiais, além do depoimento de testemunhas, familiares de vítimas, servidores públicos e até mesmo membros da Polícia Civil e Militar.
A estimativa da Anistia é que, em média, nos últimos cinco anos, as mortes por consequência de intervenção policial representem cerca de 16% dos homicídios registrados na cidade. Desse total, poucos foram levados à Justiça e, em boa parte, o tiroteio alegado pela polícia para justificar as mortes pode ter sido forjado.

Fonte:
Revista Fórum: ( Execução nas Favelas )

Os Curdos

A maior Nação sem Pátria do Mundo.
População Total: 27 a 36 milhões de pessoas.
Descendentes do antigo império medo persa (nação a quem pertenceu o rei Dario, e ante quem serviu o profeta Daniel), os curdos lutaram muito para possuir seu próprio território como pátria para dar um lar a seus mais de 20 milhões de habitantes que hoje vivem divididos entre a Turquia, Síria, Iraque e Irã. São na maioria muçulmanos. Determinar o número exato é impossível, os governos de seus respectivos países tendem a subestimar seu número, enquanto que seus movimentos nacionalistas o exageram. Os curdos são descendentes dos medo persa mencionados na Bíblia. Em 612. a.C. conquistaram Nínive, e por sua vez foram conquistados pelos persas em 550. a.C. Alguns antropólogos os identificam como os elemitas mencionados na profecia de Jeremias 49 (Bíblia). No século VII d.C., ao se converterem, na sua maioria, ao islamismo, começaram a se chamarem “curdos”. Os curdos mais famosos da história foram Dario, o Medo, que reinou na Pérsia (hoje Irã), no tempo de Daniel, e Saladino, que lutou contra o Rei Ricardo Coração de Leão, nas cruzadas e reconquistou Jerusalém para o islamismo em 1187.
Um Povo diferente.
Não há dúvida que eles são a maioria mais importante do Oriente Médio. Sua pátria, que eles chamam de Curdistão, não tem limites oficiais, mais se estende desde as montanhas Zagros no Irã até a parte do Iraque, Síria e Turquia Oriental. Uma região montanhosa de 500.000 km2 onde se encontram 100% do petróleo turco e sírio, e 74% dos curdos do Iraque (Kirkuk-Mosul) e a metade do iraniano (região de Kermanach). Ao norte se encontra o Monte Ararat (onde desceu a arca de Noé), e os rios Tigre e Eufrates banham a região.
Um Povo com Língua própria.
A diferença entre árabes e curdos está no fato de que estes ainda não estruturaram a sua língua e a sua escrita; os mais alfabetizados escrevem em árabe. O curdo é um idioma indo Iraniano relacionado com o persa. Tem um grande número de dialetos. Em alguns casos é possível o entendimento restrito entre um dialeto e outro, porém na maioria dos casos não o é. Provavelmente o obstáculo mais grave para a comunicação entre os curdos e com outras nações resida no fato de que o analfabetismo é muito grande (inferior à 10%). Poucos são os que tem oportunidade de ir a escola, geralmente por questões econômicas.
Um Povo com Crenças próprias.
Religião de origem mazdeísta, não obstante os curdos tem sido fiéis seguidores de um provérbio que se aplica a toda a minoria do Oriente Médio: "Mais vale uma raposa em liberdade do que um leão preso". Assim, o povo curdo teve que mudar sua religião para sobreviver. Da mesma forma, mantém antigas crenças em espíritos que habitam em cavernas, montanhas e vales.
Um Povo com Identidade própria.
Ainda que originalmente eram nômades, hoje em sua maioria são agricultores. Vivem em pequenos povoados que se destacam por sua estrutura competitiva de clãs e por sua desordem: em algumas ocasiões ganharam a reputação de serem brutos. Os turcos provocaram algumas tribos curdas a unirem-se para o massacre dos armênios até o final do século XIX.
A parte disto, são muito hospitaleiros. Suas mulheres realizam tarefas domésticas, e durante a colheita também trabalham no campo. Em suas festas as esposas tem lugar ao lado de seus maridos, e é permitido que falem. Os curdos normalmente tem uma sã esposa.
Pode-se dizer que sua cultura está baseada no amor. Por exemplo, é bem visto uma jovem deixe seu lar para unir-se ao seu amado, ainda que contra a vontade de seus pais. As mães sempre levam consigo seus bebês, até quando vão realizar trabalhos no campo. É permitido às crianças, desde pequenos, a sentar-se com os adultos e participar de suas conversas, que geralmente são sobre o amor, doenças, ou morte. Os filhos levam o sobrenome do pai, ainda que podem tomar o da mãe se ela é bonita ou de família muito conhecida.
Preparados para morrer pela sua Pátria.
Nação sem estado, massacrados pelos turcos, árabes e persas, esquecidos pela ONU, os curdos são na grande maioria analfabetos. Desde o início deste século, quando se desenvolveu seu nacionalismo, o povo curdo mantém uma guerra de guerrilhas contra as potências ocupantes de seu território. O tratado de Sôvres, firmado em 1920, havia prometido a eles o direito a sua independência depois da queda do império otomano. Mais quando o texto de Sôvres foi substituído pelo de Lausane, foi perdida toda esperança.
Não é a primeira vez que as esperanças curdas por obter uma nação própria terminou em desastre. Seus guerrilheiros chamam a si mesmo "peshmerga" (os que enfrentam a morte), e através dos anos tem sido frustrados seus intentos por aspirar uma nação própria, em terras com governantes que os depreciam. No Iraque, Saddam Hussein tentou por longo tempo eliminá-los. Quando as forças aliadas na guerra do Golfo, expulsaram o exército iraquiano do Kuwait, centenas de milhares de curdos sem lar se dirigiram ao norte para reclamar suas antigas terras, somente para serem atacados por Saddam e forçados a fugir novamente.
Os problemas no Iraque tem levado o Primeiro Ministro da Turquia a utilizar a palavra curdos, já que até pouco tempo a existência deste grupo humano não era aceita, e eram chamados de turcos das montanhas. Agora, uma nova legislação foi proposta e trarão liberdade limitada para a língua curda permitindo fitas e vídeos em sua língua, mais não livros.
Forças curdas foram atacadas com
armas químicas no Iraque, diz Exército alemão.
Forças curdas que lutavam contra jihadistas do Estado Islâmico no Norte do Iraque foram alvo de um ataque com armas químicas, informou o ministério de Defesa alemão neste ano (2015). Desde 2014, um contingente de 89 soldados alemães está na região para treinar combatentes curdos no uso de armas enviadas por Berlim.
— Aconteceu um ataque com armas químicas e vários peshmergas ficaram feridos, com irritações nas vias respiratórias — afirmou um porta-voz do ministério, sem revelar quem estava por trás do ataque. — Especialistas americanos e iraquianos estão tentando determinar o que aconteceu.
O ataque com gás tóxico teria sido realizado com um morteiro perto de Irbil, capital da região autônoma do Curdistão do Iraque, há dois dias e teria ferido dezenas de combatentes. No entanto, não foram dados mais detalhes sobre o tido de armas químicas que podem ter sido usadas. A fonte destacou ainda que os soldados alemães presentes na região desde setembro do ano passado, não correram perigo em nenhum momento.
Os jihadistas do EI já foram acusados outras vezes pelo uso de armas com gases tóxicos contra os combatentes curdos. As Unidades de Proteção do Povo Curdo (YPG) e o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), assim como vários especialistas, afirmaram em julho que foram registrados ataques químicos na província de Hasake, no Nordeste da Síria contra os peshmergas.
As forças curdas citaram na ocasião “irritação na garganta, olhos e nariz, acompanhada de dores de cabeça, musculares, perda de concentração, problemas de mobilidade e vômitos”. Neste caso também não foi determinada a natureza do gás.
Em março, o governo do Curdistão iraquiano afirmou ter provas de que o EI usou gás de cloro como arma química contra suas forças. O cloro é um gás sufocante, proibido nos conflitos armados pela Convenção de Armas Químicas de 1997.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Lobo da Estepe

Albert Anker - Chapeuzinho vermelho

Lobo da estepe, vou eu trotando, trotando.
O mundo cobre-se todo de neve.
De uma bétula, sai voando um corvo;
mas em nenhum lugar se vê uma lebre,
não se vê uma gazela.
Com as gazelas sou tão delicado,
ah, se uma aparecesse!
Tomá-la-ia nas garras, nos dentes:
não há coisa mais linda.
Aos mansos, mostro o meu bom coração:
em seus tenros pernis enterraria suavemente os dentes,
e o sangue claro eu iria sorvendo até mais não poder,
para ficar depois a noite inteira uivando em solidão.
Uma lebre já me contentaria:
mornas carnes de gosto doce à noite.
— Mas será que de mim se esconde tudo
que torna a vida um pouco mais bonita?
Em minha cauda o pelo já branqueia
e eu já não tenho a vista tão certeira;
faz anos que morreu-me a companheira.
Agora vou eu trotando e sonhando com gazelas,
vou eu trotando e sonhando com lebres,
ouvindo o vento a zunir na noite de inverno;
engulo neve, a ver se a goela me acalma,
e vou seguindo com o diabo na alma.

Hermann Hesse (1877-1962)