quarta-feira, 30 de julho de 2014

Felicidade Conjugal, de Lev Tolstói: os ciclos da paixão

Publicada em 1859, quando o escritor tinha pouco mais de trinta anos, Felicidade conjugal é talvez a primeira obra-prima de Lev Tolstói e prenuncia um tema que terá importância fundamental na vida do autor russo - o tema do desejo, neste caso apreendido do ponto de vista feminino. descreve com precisão os ciclos da paixão e seu trágico declínio.
Grandes amores quase sempre vêm acompanhados de grandes tragédias. Pelo menos na boa literatura, no bom cinema, no bom folhetim exibido semanalmente na TV.
Geralmente os pombinhos são separados pelo rei, pela irmã malvada, pela classe social, por traições, guerra, morte; pela amante, pela tia chantagista e por aí vai.
A impossibilidade de viver o amor é o que parece torná-lo eterno.
Os amantes sofrem. Alguns enlouquecem. Outros se casam, mas não esquecem jamais “o grande amor”.
Porém há, também, um tipo de tragédia amorosa tão dolorosa quanto a separação involuntária: o fim do amor.
Perceber, admitir, conceber a ideia de que o amor não dói como antes, não rouba o ar, não alegra na presença nem entristece na ausência é tão (se não mais) trágico quanto ser impedido de amar.
Na novela Felicidade Conjugal, de Lev Tolstói (tradução de Boris Schnaiderman, Editora 34), acompanhamos a decadência não de um casal, mas de uma paixão, que surgiu fresca como a relva, cheia de promessas, palpitações e rubores, e termina feito a febre, como diz Stendhal em seu livro Do Amor: “O amor é como a febre, nasce e morre sem que a vontade venha a representar o menor papel”.
Diferentemente dos demais livros do autor – que envolvem questões ético-religiosas – em Felicidade Conjugal Tolstói se ocupa em nos apresentar o que poderíamos chamar de “ciclo da paixão”.
Descreve com precisão, através da personagem Mária Aleksândrovna, a deliciosa ilusão da simbiose dos primeiros momentos:
“Eu sabia que ele me amava (...), tinha em alto preço este amor, e, sentindo que ele me considerava como a melhor das moças no mundo, não podia deixar de desejar que esta mentira permanecesse nele. E, involuntariamente, eu o enganava. Mas enganando-o, eu própria me tornava melhor”.
Em outro trecho:
“Mas eu pensava nele agora de modo completamente diverso daquela noite em que soubera pela primeira vez que o amava, eu pensava nele como em mim mesma, ligando-o sem querer a cada pensamento sobre meu futuro (...), tinha a impressão de que, em dois, seríamos tão infinita e tranquilamente felizes”.
O que vem depois? O sentimento de posse e ciúmes que aos poucos começa a roer os ossos. A dúvida sobre a qualidade do afeto do outro. Vontades contrárias. Expectativas não partilhadas.
Quando Mária Aleksândrovna se percebe independente, com vontades próprias e demandas particulares, quando ambos se dão conta de que não são “um”, sentem-se traídos um pelo outro.
O resultado dessa traição tácita é o afastamento e por fim... o fim da paixão.
“Pela primeira vez, lembrei vivamente nossos primeiros tempos na aldeia, os nossos projetos, pela primeira vez surgiu-me na cabeça a pergunta: quais foram, afinal, as alegrias dele no decorrer de todo esse tempo? E me senti culpada perante ele. ‘Mas por que ele não me deteve, por que foi insincero comigo, por que evitou explicações, por que me ofendeu? - perguntei a mim mesma – Por que não utilizou sobre mim o poderio do seu amor? Ou não me amava’?”
Tentando buscar explicações para o fim, o amante Sierguiéi Mikháilitch argumenta:
“Eu lamento, eu choro aquele amor passado, que não existe nem pode existir mais. Quem é culpado disso? Não sei. Sobrou o amor, mas não aquele, sobrou o seu lugar, mas o amor ficou totalmente dolorido, não tem mais força nem suculência, ficaram as recordações e a gratidão, mas”...
O livro foi inspirado nas relações pessoais de Tolstói com V. V. Arsiênieva – moça com quem viveu uma história de amor antes de seu casamento – e considerada pelo próprio autor como “uma ignomínia vergonhosa”, Felicidade Conjugal nos faz crer em suas páginas que não apenas Romeu e Julieta foram vítimas de uma tragédia amorosa, mas também Mária Aleksândrovna e Sierguiéi Mikháilitch, que viram o amor-paixão nascer e morrer, pois um amor que morre ante nossos olhos é como um natimorto: quase impossível de enterrar.
Lev Tolstói - Felicidade Conjugal
Tradução: Boris Schnaiderman
Editora: 34

segunda-feira, 28 de julho de 2014

O divino escreve mistérios

Kinuko Graft
O divino escreve mistérios espirituais em seu coração,
Onde eles esperam silenciosamente
por serem descobertos
Você aprende com a leitura,
Mas a compreensão vem com o Amor.

Jalaludin Rumi (1207-1273)

sábado, 26 de julho de 2014

Reflexões

Valéria Katsareva
“Afinal, há é que ter paciência, dar tempo ao tempo, já devíamos ter aprendido, e de uma vez para sempre, que o destino tem de fazer muitos rodeios para chegar a qualquer parte”.
José Saramago
Kondratenko Gavriil Pavlovich
“Com a razão firme, indubitável, o conhecedor do eterno, estabelecido no eterno, nem se regozija em obter o prazeroso, nem se aflige por obter o desagradável”.
Bhagavad Gita

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Salmos

Christian Schloe
Ó alma, desperta!
Lembra-te de teus éons.
De onde vens?
És do Alto.
És uma estranha nesse mundo,
uma convidada na terra dos homens.
Tens tua casa no Alto,
tua tenda da alegria,
teu verdadeiro Pai-Mãe,
teus verdadeiros irmãos.
És uma lutadora.
És a ovelha que erra no deserto.
Teu Pai, o pastor, procura-te.
Lembra-te de teus éons.
Ó alma, eleva a cabeça nesta casa cheia de ilusão,
de demônios astuciosos, de ciladas e de ladrões.
Não esqueças teu verdadeiro eu,
pois todos eles te perseguem,
sobretudo os caçadores do reino da morte.
Eles pegam pássaros e quebram-lhes as asas
para que não possam voar de volta a seus ninhos.
Ó alma, eleva a cabeça
e retorna a tua pátria original,
que é cheia de alegria.
És filha da Luz
de eternidade em eternidade.

Salmos Maniqueus

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Sociedade democratica

Oleg Tchoubakov
“Uma sociedade só é democrática
quando ninguém for tão rico
que possa comprar alguém e
ninguém seja tão pobre que
tenha de se vender a alguém”.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

domingo, 20 de julho de 2014

Amor

Herbert James Draper
Vamos brincar, amor? Vamos jogar peteca
Vamos atrapalhar os outros, amor, vamos sair correndo
Vamos subir no elevador, vamos sofrer calmamente e sem precipitação?
Vamos sofrer, amor? males da alma, perigos
Dores de má fama íntimas como as chagas de Cristo
Vamos, amor? vamos tomar porre de absinto
Vamos tomar porre de coisa bem esquisita, vamos
Fingir que hoje é domingo, vamos ver
O afogado na praia, vamos correr atrás do batalhão?
Vamos, amor, tomar thé na Cavé com madame de Sevignée
Vamos roubar laranja, falar nome, vamos inventar Vamos criar beijo novo, carinho novo, vamos visitar N. S. do Parto?
Vamos, amor? vamos nos persuadir imensamente dos acontecimentos
Vamos fazer neném dormir, botar ele no urinol
Vamos, amor?
Porque excessivamente grave é a Vida.

Vinícius de Moraes (1913-1980)

sábado, 19 de julho de 2014

Canção do pintor Hitler

Pintura de Hitler

Hitler, o pintor de paredes
Disse: Caros amigos, deixem eu dar uma mão!
E com um balde de tinta fresca
Pintou como nova a casa alemã
Nova a casa alemã.

Hitler, o pintor de paredes
Disse: Fica pronta num instante!
E os buracos, as falhas e as fendas
Ele simplesmente tapou
A merda inteira tapou.

Ó Hitler pintor
Por que não tentou ser pedreiro?
Quando a chuva molha sua tinta
Toda a imundície vem abaixo
Sua casa de merda vem abaixo.

Hitler, o pintor de paredes
Nada estudou senão pintura
E quando lhe deixaram dar uma mão
Tudo o que fez foi um malogro
E a Alemanha inteira ele logrou.
Bertolt Brecht (1898-1956)

quinta-feira, 17 de julho de 2014

*** ***

Ming Wai
“As crianças não têm ideias religiosas,
mas têm experiências místicas.
Experiência mística não é ver seres de outro mundo.
É ver este mundo iluminado pela beleza.”

Rubem Alves

terça-feira, 15 de julho de 2014

Reflexão

Jeannette Woitzik
“As lutas da vida existem
para conduzir à revelação e à experiência,
e para que por fim a sabedoria seja reconhecida,
a fim de servir à alegria eterna da vitória”.

Jakob Böhme(1575 1624)
("Da vida suprassensível")

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Deixei Uma Terra Que Não Era a Minha

Haruyo Morit
Deixei uma terra que não era a minha
por outra à qual também não pertenço.
Refugiei-me num vocábulo de nanquim,
e tenho o livro como espaço;
palavra de lugar nenhum, obscura fala do
deserto.
Não me cobri durante a noite.
Nem mesmo tentei me proteger do sol.
Andei nu.
De onde eu vinha, não fazia mais sentido;
Aonde eu ia não incomodava ninguém.
Vento, digo-lhes, vento.
E um pouco de areia no vento!

Edmond Jabès (1912-1991)
Tradução: Caio Meira

sábado, 12 de julho de 2014

O Vagalume

Vagalumes, ilustração de Paige Keiser

Quem és tu, pobre vivente,
Que vagas triste e sozinho,
Que tens os raios da estrela,
E as asas do passarinho?

A noite é negra; raivosos
Os ventos correm do sul;
Não temes que eles te apaguem
A tua lanterna azul?
Quando tu passas, o lago
De estranhos fogos esplende,
Dobra-se a clícia amorosa,
E a fronte mimosa pende.

As folhas brilham, lustrosas,
Como espelhos de esmeralda;
Fulge o iris nas torrentes
Da serrania na fralda.

O grilo salta das sarças;
Piam aves nos palmares;
Começa o baile dos silfos
No seio dos nenúfares.

A tribo das mariposas,
Das mariposas azuis,
Segue teus giros no espaço,
Mimosa gota de luz!

São elas flores sem haste;
Tu és estrela sem céu;
Procuram elas as chamas;
Tu amas da sombra o véu!

Quem és tu, pobre vivente,
Que vagueias tão sozinho,
Que tens os raios da estrela,
E as asas do passarinho?

Fagundes Varela (1841-1875)
Vocabulário:
Clícia = inseto de duas asas.
Sarça = matagal.
Silfo = gênio das florestas (mitologia celta).
Nenúfares = planta aquática.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O desejo que move os poetas

Vladimir Mukhin
“O desejo que move os poetas
não é ensinar, esclarecer, interpretar.
O desejo que move os poetas é
fazer soar de novo a melodia esquecida”.

Rubem Alves

terça-feira, 8 de julho de 2014

Deus

Louis Emile Adan
“Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.”
Rubem Alves

domingo, 6 de julho de 2014

Todo o Amor em Nosso Amor se Encerra

Jose De la Barra
Minha moça selvagem, tivemos
que recuperar o tempo
e caminhar para trás, na distância
das nossas vidas, beijo a beijo,
retirando de um lugar o que demos
sem alegria, descobrindo noutro
o caminho secreto
que aproximava os teus pés dos meus,
e assim tornas a ver
na minha boca a planta insatisfeita
da tua vida estendendo as raízes
para o meu coração que te esperava.
E entre as nossas cidades separadas
as noites, uma a uma,
juntam-se à noite que nos une.

Tirando-as do tempo, entregam-nos
a luz de cada dia,
a sua chama ou o seu repouso,
e assim se desenterra
na sombra ou na luz nosso tesouro,
e assim beijam a vida os nossos beijos:
todo o amor em nosso amor se encerra:
toda a sede termina em nosso abraço.
Aqui estamos agora frente a frente,
encontramo-nos,
não perdemos nada.
Percorremo-nos lábio a lábio,
mil vezes trocamos
entre nós a morte e a vida,
tudo o que trazíamos
quais mortas medalhas
atiramo-lo ao fundo do mar,
tudo o que aprendemos
de nada serviu:
começamos de novo,
terminamos de novo
morte e vida.

E aqui sobrevivemos,
puros, com a pureza que criamos,
mais largos do que a terra que não pôde extraviar-nos,
eternos como o fogo que arderá
enquanto durar a vida.

Pablo Neruda (1904-1973)

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Perguntei ao Tempo

Ivan Vukelic
Perguntei ao tempo
O remédio para dor
Ele parou
Pensou
E falou

Deixe-me passar.

Orides Siqueira

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Giro e Sigo

Van Gogh
Quando os caminhos
Bifurcam-se
Na plenitude do tempo
Vou e venho
Giro e sigo

Porque......

Dar sentido a vida
Pode levar-nos a loucura
Mas..........
A vida sem sentido
É uma tortura.

Orides Siqueira

terça-feira, 1 de julho de 2014

Meu pé de laranja lima

“Às vezes sou feliz na minha ternura, às vezes me engano, o que é mais comum.
Agora sabia mesmo o que era dor. Dor não é apanhar. Agora sabia mesmo o que era a dor. Dor não era apanhar até desmaiar. Não era cortar o pé com caco de vidro e levar pontos na farmácia.
Dor era aquilo que doía o coração todinho, que a gente tinha que morrer com ela, sem poder contar para ninguém o segredo.”
José Mauro de Vasconcelos (1920-1984)
- "O meu pé de laranja lima".